ela saía de casa cedo
todo dia às cinco
carregava bolsa, blusa, crachá
documento
e assim, existia
quando chovia
tudo alagava
ela se atrasava e patrão brigava
- num adianta!
essa gente
sempre arruma desculpa pra preguiça.
o café, às vezes, tirava preguiça dela
mas num dava aquele pouquinho de coragem
que ela queria pra sonhar.
e aquelas pedra tudo no meio do caminho
dizendo que pra ela existir tinha que ser ali:
carregando balde, mautratos e vassoura.
não!
não não e não!
joga a vassoura no chão,
arruma confusão
e ainda escuta de patrão:
- vai embora daqui sua louca!!!
ela sai
mas leva crachá
pra continuar existindo
e aquele tanto de pedra do meio do caminho...
imprimiu uns currículo
foi procurar emprego
e se inscrever em outro catálogo
queria estudar
pra não ter vaga só nos gerais
queria ser psicóloga e cuidar de crianças
queria acreditar que existia
mas, aquele tanto de pedra no caminho...
foi quando ele chegou com a pedra da boa
pra ela subir e se erguer
e existir
e assim seguiu existindo
até que todas as pedras no caminho fossem sendo tragadas
uma a uma, junto com o crachá, os benefício
e os documento tudim só com carimbo de usuária
e agora?
mais uma usuária
encontrada morta,
queimada
ali,
perto dos eucaliptos.
foi enterrada como indigente.
a mulher que existiu pro patrão enricar
a mulher que existiu pra polícia açoitar
a mulher que existiu pro estado abandonar
a mulher que existiu pra gente não perdoar
foi enterrada como inexistente!